sábado, 18 de agosto de 2018

Sobre navios em órbitas gravitacionais e outras questões graves

Corrosão é um romance corajoso. Daqueles que não têm medo de mesclar astro e metafísica como poucas vezes vi na FC feita no Brasil (e sei do que estou falando). As descrições das atividades à bordo para a “caça à baleia” têm a acuidade de Melville acrescidas à poética de um Bradbury em contos como Os Frutos Dourados do Sol. E isso porque não falei da personalidade da IA, tão bem construída quanto qualquer personagem de carne e osso (ou tinta e papel. Ou fótons e bytes). Não há necessidade de destrinchar os meandros da história. Melhor deixar o leitor com a seguinte imagem impressa (ênfase em “impressa”) no cérebro: há um navio fantasma em órbita. Suas caldeiras inativas guardam um mistério que espera pela maturidade das inteligências da Terra, sejam à base carbono ou silício, e apenas quando alcançarem o equilíbrio terão a chave da charada. Pela mescla de maturidade e temática, técnica e maestria, Ricardo Labuto Gondim é o grande nome da FCB desta década. E, já que tempo e espaço são o mesmo, também das que foram e virão.


Agora cabe uma pequena explicação, pois não costumo fazer resenhas de livros. Por que não faço? Simples: sou um cara que escreve umas histórias aí, de FC, horror, aventura e até policiais, mas com certeza não sou -- e nem pretendo -- ser um crítico.  Pois, vejam, um dos grandes problemas da Ficção Científica Brasileira é a indigência crítica. Isso é um sintoma histórico. Já tivemos autores que posavam de críticos, lançando mão de pseudônimos para agredir colegas e se auto-elogiarem. Também houve aqueles que, movidos por sentimentos questionáveis, organizaram linchamentos virtuais de obras. E também tivemos falsos ideólogos, manipuladores de discursos, que em outra situação seriam dignos de aplausos, para enxovalhar desafetos. Tudo isso regado, na melhor das hipóteses, por falta de embasamento, e na pior, por ausência de caráter.

Toda crítica é parte integrante da obra à qual se refere, acrescenta camadas interpretativas, colabora para sua sobrevivência, mas exige uma maturidade, uma isenção, um critério, uma base que a maioria dos críticos contemporâneos não possui. A avalanche de blogs, vlogs, triques e traques que proliferam hoje acaba se tornando mero truque para pedido de livros gratuitos. A FCB, principalmente, teria muito a ganhar com uma "Barbara Heliodora para chamar de sua", alguém com conhecimento de causa e respeitabilidade. Infelizmente, acho improvável que surja alguma nos próximos anos, já que a totalidade de nossos críticos almeja se tornar escritor e escritora. 

Porém, perdoem-me pela digressão. O que importa é que Corrosão é um excelente romance e Ricardo Labuto Gondim é um dos grandes. Todos a bordo.



2 comentários:

Leonardo Peixoto disse...

Legal ver novidades , o que mais gosto no seu blog é como você expõe suas opiniões e as obras que talvez não conheceria sem sua ajuda . E as histórias do seu dia-a-dia também são bem legais .

Octavio Aragão disse...

Obrigado, Leonardo. Talvez eu volte a atualizar o blog depois desse hiato. A vida segue!