domingo, 6 de março de 2011

Quem sabe o mal que se esconde entre quadros? Entrevista com Scott McCloud

Autoretrato de Scott McCloud
Autor dos livros teóricos Desvendando os Quadrinhos (1993), Reinventando os Quadrinhos (1999) e Desenhando Quadrinhos (2008), Scott McCloud é um estudioso da arte seqüencial e um visionário da internet como um impressionante veículo para a média. Seus trabalhos com e a respeito de quadrinhos podem ser apreciados em seu site. Esta entrevista foi realizada por telefone em 16 de julho de 2001, quatro meses antes dos atentados ao WTC e Pentágono.


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Octavio Aragão – Caro senhor McCloud, obrigado por sua atenção. Minha dissertação sobre Angelo Agostini, lida, entre outras coisas, com a evolução da arte seqüencial desde o século XIX, focando também em sua importância social e no futuro desta mídia. Aqui estão apenas cinco perguntas:

 OA – No fim do século XIX, alguns artistas como Agostini foram influentes o suficiente para participarem com a força de seu trabalho na imprensa da época do processo que levou o Imperador Brasileiro, D. Pedro II, a abandonar o trono. Com suas críticas ferozes em páginas em quadrinhos, eles faziam piadas com a Família Real e seus ministros. Diferente de outros pioneiros como o holandês Töpffer, Agostini foi bastante sério a respeito de seu trabalho. O senhor vê a arte sequencial como uma força sócio política nos dias de hoje?

Scott McCloud – Trata-se de um processo cíclico. Houve períodos em que a arte sequencial foi uma força política poderosa. Mais do que é hoje, porque cada geração de artistas que se sucede tem prioridades diferentes.Algumas estão mais preocupadas com a arte em si, outras em fazer literatura e, em consequência, são mais politizadas. Acredito que, no mercado norte-americano, existam períodos de vinte anos para o surgimento de cada geração e, consequentemente, para que essas mudanças ocorram. Eu não sei a respeito do Brasil, mas é assim que as coisas acontecem na América do Norte. Eu também creio que, depois desta que vemos hoje, assistiremos ao crescimento de uma nova geração, mais politizada, de criadores nos quadrinhos.


OA – Desde a década de 1940, os quadrinhos americanos - como qualquer outra forma de cultura de massa ocidental - exerceu uma forte influência sobre os artistas do terceiro mundo. O senhor pensa que, se os quadrinhos realmente conquistarem um espaço comercial na internet, esta situação se agravaria ou, pelo contrário, essa poderia ser a grande chance para o terceiro mundo reverter o cenário influenciando a América como os japoneses conseguiram através de seus mangás?

SMcC - Acredito que esse processo funcione nos dois sentidos. Computadores ainda são artefatos muito caros para a maioria dos cidadãos do terceiro mundo e isso dificulta a interação da grande maioria dos artistas com o mercado estadunidense e vice-versa, mas a internacionalização vai se tornar muito mais comum e fácil em um curto período de tempo graças à nova tecnologia, novos tradutores e coisas assim, que derrubarão a barreira da língua, ainda um problema sério a ser vencido.


The Authority,  superheróis ultraviolentos
OA – Alguns teóricos e filósofos ligados à mídia tais como o italiano Umberto Eco, o brasileiro Moacy Cirne e os chilenos Ariel Dorfman e Manuel Jofré postulam que as influências dos quadrinhos de super-heróis norte-americanos nos países do terceiro mundo são - basicamente - políticas e que elas difundem a noção que, quando, por exemplo, o Superman enfrenta bandidos ou ladrões de banco, ele não estaria lidando com o problema real (diferenças entre classes sociais), mas defendendo o sistema capitalista ou mesmo uma ideologia fascista. O senhor, como um progessista, não crê que histórias em quadrinhos como O Justiceiro ou The Authority torna muito difícil discordar deles? Quero dizer, adultos identificam nessas revistas uma crítica à violência nos quadrinhos usando a própria violência como paródia, mas o senhor acha os jovens fãs de The Authority conseguem captar as mensagens mais sutis ou apenas se deliciam com a brutalidade do título sem racionalizar nada?

SMcC – A violência está clara: há muito disso nas revistas, com certeza... mas fascismo? Há um óbvio lado fascista em todos as revistas de super-heróis, claro, mas você precisa lembrar que muitos dos criadores norte americanos nos anos 40 eram judeus e estavam combatendo o fascismo por meio de seus trabalhos. Mas você tem razão a respeito da relação entre o público mais jovem e a violência. Eu acredito que ainda há brutalidade demais nas história em quadrinhos modernas isto é considerado um atrativo para os jovens leitores, infelizmente.


OA - O senhor é um grande defensor dos quadrinhos na internet - OnLine Comics - e até diz que eles seriam o caminho do futuro. Se é assim, em quantos anos o senhor pensa que a mídia eletrônica substituirá as revistas em quadrinhos impressas de hoje em dia? E por quê?

SMcC – Não creio que qualquer forma de comunicação impressa será eliminada em prol da mídia eletrônica porque a qualidade de visualização ainda é muito baixa nos quadrinhos pela internet. Além disso, há a questão da praticidade: você não pode levar um computador para todos os lugares que for porque eles - as máquinas - ainda são muito pesadas. A qualidade das imagens na internet ainda são muito precárias - os atuais quadrinhos impressos ainda são melhores nesse sentido - e os computadores ainda são muito lentos para processar imagens de alta resolução. Sempre haverá quadrinhos impressos mas, com o tempo, a versão para a internet vai tender a uma maior funcionabilidade, coisa que eles ainda não têm. Ainda... (risos).


A Viagem de Chihiro, de Myiasaki
OA – As Américas do Sul e do Norte, Ásia e Europa possuem maneiras bem diferentes de encarar, sentir e produzir arte seqüencial. O senhor acredita que, em alguns anos, veremos a combinação desses diferentes universos em um único e sólido mercado? Ou seria mais saudável se todos se mantivessem separados?

SMcC – Coisas muito interessantes acontecem quando culturas diferentes interagem. Não acredito que cada cultura venha a desaparecer para formar uma maior, amalgamada, mas eu consigo ver que, quando elas colidem, e alguns artistas maravilhosos aparecem desses encontros. (Jean Gireau) Moebius, da França, (Hayao) Myiasaki, do Japão, e Jim Woodring, dos Estados Unidos, são artistas que pertencem ao mundo e tenho certeza que essas combinações culturais continuarão a acontecer mais e mais.

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