sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Barbudo bom de briga (ou “Como Alan Moore contradiz o paradigma do autor pavão”)


Moore: eremita e bom de vendas. Ilustração de Frank Quitely
Às vezes me acho meio lerdo. 

Tanto tempo depois do bafafá sobre escritores onipresentes, com aquele argumento que reza que hoje seria inviável o sujeito ser recluso, polêmico e vender aos montes, só agora, por conta de uma matéria do The Guardian, me ocorreram duas palavras: Alan e Moore.

Apenas porque o escritor disse – pela enésima vez – que odeia super-heróis, tema que lhe concedeu notoriedade há décadas, houve uma chuva de reclamações dos fãs, acusando-o de hipócrita e ranzinza. Mas o fato é que há motivos para a birra do barbudo.

A briga entre Moore e a DC, que vem do tempo do contrato sobre Watchmen, começou um novo capítulo em 2000, depois da Wildstorm de Jim Lee ser comprada e virar selo editorial pela casa do Superman. Moore, que fazia parte do catálogo da Wildstorm, acabou sendo, contra sua vontade, pago pela DC. A questão foi contornada por Jim Lee, Moore aceitou negociar diretamente com a Wildstorm sem passar pelos escritórios da Warner e assim foi feito.

Todos ficaram felizes por pouco tempo, pois no quinto número da League of Extraordinary Gentlemen, onde se via um falso anúncio com os dizeres Marvel Douche, a DC, com medo que a Marvel se sentisse ofendida, exigiu que a tiragem inicial fosse destruída e reimpressa.


Pouco depois, em 2003, os escritores Larry Cohen e Martin Poll moveram um processo contra a 20th Century Fox, acusando o filme Liga Extraordinária de ser um plágio de seu script Cast of Characters, que juntava um grupo de personagens clássicos em uma aventura e que a publicação da HQ teria sido uma “cortina de fumaça”. Ou seja, Moore foi acusado de ter escrito a HQ para encobrir o filme que seria um plágio, entenderam? O autor foi acusado de má fé e de lacaio da Fox ao mesmo tempo. Ficou revoltado e rompeu os acordos comerciais, que já eram frágeis, com a editora porque achou que fora lesado e que não teve chance de se defender da acusação.

Moore fechou o tempo, declarou que não iria mais trabalhar com a DC, e manteve apenas um dos títulos que lancava pela Wildstom, a famosíssima League, cujos direitos reverteram para ele e o ilustrador kevin O’Neill.  Logo em seguida, ele se ofendeu quando um dos produtores executivos da Warner, que trabalhava o filme baseado em V de Vingança afirmou que o escriba não apenas leu o roteiro do filme, como teria elogiado um draft.  Foi a desculpa para Moore cortar quaisquer relações com Hollywood. A Liga Extraordinária, como ficou ficou conhecida no Brasil, a partir desse momento, passou a ser lançada pela pequena e independente Top Shelf Productions, nos EUA, em parceria com a Knockabaout Comics, no Reino Unido. Ou seja, no que poderia ser considerado um milagre no mundo corporativo contemporâneo, o autor conseguiu retirar contratualmente, ao menos em termos editoriais, uma marca de franchise lucrativa das garras da Warner. Se isso não é poder, então não sei de mais nada.

Diante dessa situação, com um oportunismo digno de um Gordon Gekko, o editor da Marvel, Joe Quesada, procurou Moore oferecendo um contrato para republicar o material que o escriba tinha produzido para a Marvel inglesa nos anos 90, com o personagem Capitão Bretanha. Moore concordou com a republicação, contanto que seu nome aparecesse como criador de diversos personagens na revista. 

Adivinham o que aconteceu? Como era uma republicação, a equipe deve ter entrado em “modo automático” e o crédito do roteirista não saiu. Moore rompeu com todo mundo, declarou sua insatisfação com a indústria de entretenimento dos Estados Unidos – com ênfase nos quadrinhos de super-heróis – e passou a repetir o discurso em todas as entrevistas. A declaração ao The Guardian é apenas a mais recente de uma série de diatribes de um autor que, cônscio de seus direitos, ousa se manter recluso e criando todos os casos que achar que deve, brigando com quem pisar em seu calo.

Mesmo que questionemos as atitudes eventualmente exageradas de Moore, uma coisa é certa: tudo que ele faz vende. E muito. O que só prova que, ao contrário do que acredita o mercado brasileiro contemporâneo, não existe apenas um case de sucesso ou um tipo de artista comercialmente viável.

3 comentários:

patati disse...

Concordo em gênero, número e grau, Otávio!!

Octavio Aragão disse...

Valeu, Patati. É incrível como só há tres dias o exemplo de Moore apareceu na minha lembrança. A gente fica tão boquiaberto com certas afirmações peremptórias que parece que esquece de pensar.

Leonardo Peixoto disse...

Admiro muito a obra de Alan Moore ! Você sabe se vai haver um novo volume de A Liga Extraordinária ?