sábado, 19 de dezembro de 2015

Leituras e releituras de 2015, parte 1






Tipografia, teoria literária, biografias ficcionais, pulp fiction, biografias, clássicos da literatura, esoterismo, ficção científica e quadrinhos. Este foi um ano de leituras desencontradas, pesquisas autorais e uma busca incessante por estilos diferenciados.

O primeiro foi The Lathe of Heaven, de Ursula K. LeGuin, novela introspectiva sobre um homem medíocre que acredita sonhar a realidade e seu psiquiatra mau caráter. Construção de personagens e narrativa primorosas, levando a um desfecho agridoce e emocionante.

O grande projeto do ano foi a releitura cuidadosa de Promethea, de Alan Moore e J.H. Williams III, que tive o prazer e a honra de traduzir para a Panini Comics Brasil. Apesar de ter escrito um artigo sobre a série há alguns anos, fiquei com vontade de desenvolver mais e mais aspectos dessa obra multifacetada.

A coletânea de contos de Harlan Ellison, Approaching Oblivion, foi a primeira de diversas dívidas literárias saldadas este ano. Com verve, ironia e um tom cáustico que muito me agradou, o autor conhecido por roteiros para séries de TV como Star Trek e Star Lost dá um show de concisão e ritmo. O destaque vai para I'm Looking For Kadak, que constrói com maestria uma sociedade alienígena influenciada pela religião hebraica e sua linguagem. Uma obra prima.

Outra antologia, dessa vez brasileira, Super-Heróis, capitaneada por Luis Felipe Vasques e Gerson Lodi-Ribeiro, apresentou o que considero o melhor conto do ano, Ascensão e Cancelamento do Mais Infame Supergrupo da Terra, de Pedro Vieira. Mais engraçado que qualquer sketch do grupo Porta dos Fundos, o conto brinca com fluidez, conhecimento de causa e técnica narrativa apurada com todos os clichês dos comics contemporàneos, cheios de reboots, crises e inconsistências mirabolantes, mas sem esquecer o fundamental, que é contar uma boa história, com personagens cativantes.

Como Funciona a Ficção, de James Woods (o crítico inglês, não o ator americano), discute os aspectos formais e conceituais do fazer literário. Famoso por sua coluna no The New Yorker, Woods tem uma visão clara do que é literatura e como ela atinge o leitor, dialogando - e nem sempre concordando - com alguns dos críticos literários mais renomados como, por exemplo, Roland Barthes e A. D. Nutfall. Leitura indispensável e recorrente para qualquer um que tenha por objetivo o fazer literário.

Em Alan Moore, o Mago das Histórias, Gary Spence Millidge apresenta uma cuidadosa e respeitável biografia do quadrinista britânico, explorando a relação inextricável de Moore com Northampton, sua cidade natal, a revolta com a educação tradicional, a carreira nos quadrinhos e, claro, o estudo do esoterismo que marca o momento atual de sua carreira. Analisando obra a obra e com o auxílio de inúmeras ilustrações e fotografias, o livro, apesar de ser uma autobiografia autorizada, não deixa de bulir em potenciais vespeiros, como a relação do escritor com as drogas e seu casamento triplo, mas o maior enfoque não são as fofocas e sim o processo criativo, com ênfase nos layouts de páginas que podem ocupar paredes inteiras e nos roteiros ultra descritivos.

E se livros fossem uma praga? E se eles obedecessem a uma agenda particular de domínio da humanidade, não pelo propagar de seus conteúdos, mas por serem o que são, artefatos de papel que acumulam poeira? Nelson de Oliveira é um autor de peso e seu romance Poeira, Demônios e Maldições é um belo exemplo de sua prosa, além de ser uma homenagem à compulsão, que acredito comum a diversos bibliófilos como eu, de acumular cada vez mais livros, mesmo que não tenhamos a pretensão de levá-los a cabo.

Richard Burton (o explorador inglês, não o ator americano) passou pelo o Brasil durante o segundo reinado e até comentou a Guerra do Paraguai em cartas. A novela de Rodrigo Schwartz, A Ilha dos Cães, pega emprestado o personagem histórico e cria uma História Alternativa na qual, ao embarcar de volta ao Oriente, o britânico naufraga em uma estranha ilha na costa brasileira. Em lugar de se desesperar, o aventureiro deixa a imaginação fluir e planeja aproveitar o tempo na ilha para escrever um poema épico à altura de Os Lusíadas, mas logo descobre não estar só, pois um brasileiro cego anda pelo local, esculpindo pequenos e enigmáticos cãezinhos de madeira. Essa novela, inusitada e envolvente, é um inesperado exercício de ucronia e peca apenas por não abraçar a premissa com mais intensidade. Uma centena de páginas a mais seria pouco para um personagem do tamanho de Richard Burton.

Sabem aquele romance inigualável, que sozinho é uma escola e cria uma tendência que jamais existirá além dele mesmo? Pois esse é Piritas Siderais, de Guilherme Kujawsky. É o melhor que a pós-modernidade pode nos oferecer. É difícil e dói como um dente rompendo a gengiva de um bebê, mas uma vez nascido, torna-se indispensável para a alimentação da criança. É isso que essa novela faz, ela corta a carne do confortável ócio clichezento da ficção científica brasileira (e por que não dizer, da literatura mainstream brasileira) e torna automaticamente tudo que veio antes, durante e depois desatualizado, brega, bobo. Ah, sim, querem saber sobre a história? Esqueçam, qualquer comentário estragaria a experiência.

O Complô foi a última HQ do mestre Will Eisner que li. Estava há anos na prateleira e eu enrolando, enrolando... talvez porque sentisse um certo cansaço do tema, mas um belo dia encarei o livro com a capa vermelha e lá fui eu, mergulhando de cabeça na convoluta história dos textos falsos do inexistente Priorado do Sião. Apesar da narrativa não ser das melhores que Eisner já nos deu, a pesquisa e a raiva contida nas entrelinhas já valem a viagem.

As origens de cada família tipográfica. A caligrafia e seu papel determinante no progresso humano. A forma como condutora e portadora do conteúdo. Tudo isso em um texto leve e cheio de referências visuais é o que Elementos do Estilo Tipográfico, de Robert Bringhurst, traz. Obra basilar não apenas para designers, mas para quem quer entender nossa evolução por um parâmetro diferente.

O que dizer de Gerard Jones e seu Homens do Amanhã? Esclarecedor? Sim. Embasado? Sim. Divertido? Muito. Refletida no escuso mundo da indústria dos quadrinhos, vemos a cara partida da América, com seus mafiosos travestidos de editores, garotos ingênuos catapultados ao estrelato e outra vez ao anonimato e, principalmente, suas fantasias coloridas de (super) poder sexual adolescente. E graças a esse livro, descobri que, na mesma época em que Lucky Luciano cortava o cabelo no salão do Waldorf Astoria, meu pai tomava seu café no saguão. Sim, o velho Coronel Aragão estava lá na época, lado a lado, sem saber, de ícones e nêmesis da cultura popular americana.

Doctor Who - 12 Doutores, 12 Histórias é uma antologia escrita por alguns dos mais populares autores da cultura pop contemporânea, incluindo Eoin Colfer, Philip Reeve e Neil Gaiman. Trata-se de uma obra voltada para o chamado público YA, contando aventuras do célebre personagem televisivo britânico, The Doctor, cuja série de TV já dura por volta de cinquenta anos. As histórias são muito bem estruturadas, mas pecam por não arriscar demais, afinal lidam com personagens e fatos que já aconteceram ou irão acontecer nos episódios da série. Apesar disso, dois contos se destacam: Na Ponta da Língua, de Patrick Ness, que conta uma aventura entre o hilário e o apavorante do quinto Doctor, e Esporo, um conto com ares lovecraftianos com o oitavo Doctor, por Alex Scarrow.

Tarzã. Philip José Farmer emulando Edgar Rice Burroughs. O que poderia dar errado em The Dark Heart of Time? Algumas coisas. Vejam, é um bom romance, demonstra as características dos dois autores, tem Tarzã sendo Tarzã (ou seja, se metendo em uma confusão atrás da outra), mas não tem uma coisa imprescindível a Farmer e Burroughs: uma boa ideia. As motivações para a correria desenfreada de Lord Greystoke pela selva são frágeis ("Jane tem de estar viva! Eu sei!") e instáveis ("Preciso matar os alemães e encontrar Jane", "Tenho que achar o tesouro do espanhol, matar os alemães e achar Jane", "Necessito ajudar meus companheiros, achar o tesouro do espanhol, matar os alemães e encontrar Jane" etc, etc, etc). Os coadjuvantes, com uma ou outra exceção, são clichês. E o pior, os vilões, mola mestra desse tipo de aventura, são fracos e nem merecem um showdown à altura, já que Tarzã é muito mais mais poderoso que eles. Mas vamos dar valor ao que merece: Farmer sabe compor cenas de ação como nenhum de seus contemporâneos e consegue nos fazer acompanhar os perigos sucessivos nos quais mete o Homem Macaco com os olhos grudados nas páginas. E isso, senhorxs, não é para qualquer um, não.

Aniquilação e Autoridade são dois terços de uma trilogia de Jeff Vandermeer sobre as quais já escrevi resenhas para o site da editora Intrínseca. São FC poderosas, com o melhor que o subgênero pode nos dar, ou seja, inventividade, visões de um futuro retorcido que projetam nosso presente e tramas mirabolantes capazes de deixar os cabelos em pé. Estou ansioso pelo terceiro volume.

Por enquanto, paro por aqui, mas aguardem a continuação, em que falarei dos outros livros lidos em 2015, incluindo Gore Vidal, Henry Fielding, Frank Miller e Clive Barker, dentre outros.

3 comentários:

Leonardo Peixoto disse...

De vez em quando visito os arquivos das comunidades de história alternativa e ficção alternativa do Orkut para ver as ideias que eram compartilhadas lá ! Agora que a rede social acabou , onde se pode comentar sobre esses temas na internet e em português ?

Octavio Aragão disse...

Cara, o Orkut ainda está acessível? Não sabia. Tens os links? Quanto às discussões sobre HA e FA, tudo acontece no Facebook agora.

Leonardo Peixoto disse...

Ucronia e História Alternativa : http://orkut.google.com/c481720.html
Ficção Alternativa : http://orkut.google.com/c23182380.html