domingo, 27 de novembro de 2016

Se o olhar matasse...

Durante a missa de sétimo dia de meu cunhado, percebi que era um estranho no ninho, cercado por aproximadamente uma centena de senhoras brancas na faixa dos 70/80 anos. Devia haver uns dez membros do sexo masculino e apenas, sim, me dei ao trabalho de contar, quatro pessoas negras. O padre, um homem caucasiano de 38 anos (como sei? Era aniversário dele e o exército de senhorinhas entoou um entusiasmado "Parabéns Pra Você", com direito ao abanar de mãos estendidas, um baile funk da terceira idade), gerenciava a cerimônia com um mix equilibrado de solenidade e piadinhas pontuais. Showman profissa, repetindo o score na ponta da língua para o público cativo. Era o Stephen Tyler do cristianismo.
Enquanto pensava em como Freud faria uma festa – ou um baile funk, fica à sua escolha – com tudo aquilo, percebi dois olhos me fulminando. A uns quinze metros de distância, a senhora, cabeça quase totalmente virada sobre o ombro direito, me encarava com um ar de curiosidade e ofensa, boca meio aberta, muda, cabelos soltos, levemente desgrenhados. Como se perguntasse como eu me atrevia a estar ali, conspurcando o solo sagrado.


"Ah, besteira", pensei, "Paranóia de minha parte, sempre me achando o centro das atenções".
Sorri e desviei o olhar, prestando atenção na Missa, um sermão cuja descrição nada acurada de Jesus Cristo o aproximava de uma fusão senso comum de Sergio Moro, Clark Kent e Rei Arthur.
Vinte minutos de missa e os olhos ainda queimavam. A senhorinha prestou zero atenção à pregação, cabeça virada, cabelos emoldurando a boca pendente. Com sorte, ela foi dali direto ao confessionário.
Mas creio que saí no lucro: ganhei um personagem para uma futura história de horror.

2 comentários:

Leonardo Peixoto disse...

E nessa sua futura história de terror , o cenário poderia ser uma teocracia , para combinar com o local de origem da personagem .

Octavio Aragão disse...

Não sei qual o cenário, Leonardo, mas sei que vou fazer.