sábado, 7 de agosto de 2010

A elitização dos quadrinhos: entrevista com Gian Danton

O professor Ivan Carlo tem uma identidade secreta: nas horas vagas ele se transforma no destemido Gian Danton, quadrinista e roteirista premiado. Hoje ele dá um tempo em suas aventuras sequenciais para conversar conosco sobre qualidade, talento e arrogância, três elementos facilmente encontráveis na fauna quadrinista nacional.

Fala, Gian!


Octavio Aragão – Você é um teórico dos quadrinhos brasileiros, com livros publicados que versam sobre autores e técnicas narrativas. Qual o retorno desse trabalho?  Você acha que existe hoje uma enxurrada de trabalhos teóricos sobre a mídia no Brasil? Caso sim, porque tão poucos focam nos primórdios dos quadrinhos brasileiros, tão profícuos quanto seus contemporâneos europeus e norte-americanos?

Gian Danton – Depende muito do que se quer dizer por retorno. Do ponto de vista financeiro é um fiasco. Mas do ponto de vista de discussão, tem sido muito interessante. Tenho recebido e-mails e cartas de pessoas interessadas em discutir o assunto. No Orkut também temos boas comunidades como a Roteiristas de quadrinhos, que apresentam boas discussões. De fato, costuma-se brincar que no Brasil tem mais gente escrevendo sobre quadrinhos do que fazendo quadrinhos. Isso não é exatamente uma verdade. O que ocorre é que editoras como a Opera Graphica e a Marca de Fantasia começaram a lançar agora obras que já estavam prontas há muito tempo, mas não encontravam editora. Além disso, no Brasil, como não há um mercado estabelecido, muitos roteiristas e desenhistas ingressaram na área acadêmica e, quando foram fazer seus mestrados ou doutorados, por afinidade escolheram temas relacionados aos quadrinhos. Quanto a focar ou não nos quadrinhos nacionais, há duas dificuldades. A primeira delas é que é mais difícil conseguir material sobre os quadrinhos nacionais do que sobre os quadrinhos norte-americanos, por exemplo. Estou escrevendo um livro sobre a Grafipar e é uma verdadeira pedreira conseguir informações. Até o contato com os autores é difícil. Além disso, quando se está num programa de mestrado ou doutorado, tem-se que adequar o tema à linha de pesquisa. No meu caso, a linha de pesquisa era divulgação científica, um tema difícil de ser encontrado nos quadrinhos nacionais (embora eu tenha dado alguns exemplos em minha dissertação).

OA – Falando em enxurrada, vivemos uma época única para o gênero no Brasil, onde vemos várias editoras, com destaque para Conrad e Cia das Letras, lançando produtos de excelente acabamento e preço, para dizer o mínimo, salgado. Como você vie essa situação? Será o início de um futuro promissor ou o início do fim? Haverá público consumidor para tantos lançamentos de peso?

GD – Poucos desses lançamentos têm chegado a Macapá, mas o que percebo é uma elitização dos quadrinhos. Pelo que sei, as editoras estão de olho em pesquisas que demonstram que a idade do leitor de quadrinhos aumentou muito. Quem lê quadrinhos hoje é o pessoal da minha geração. Isso por um lado é bom, pois permite uma maior liberdade criativa, uma maior variedade de estilos. Mas por outro lado é horrível, pois corre-se o risco de não criar novos leitores. A Panini está pegando um pouco desse público jovem e o Maurício pega o público infantil, mas sinto que há uma quebra. Muita gente que lê Turma da Mônica não vai continuar lendo quadrinhos.

OA – Quais os melhores quadrinhos nacionais lançados nos últimos cinco anos e por quê?

GD – Ih, pegou. Como disse, em Macapá chega muito pouca coisa. A maioria do que leio de quadrinhos nacionais, são os autores que me mandam. Fawcett, de André Diniz, foi um trabalho que me marcou. Muito bem escrito e arte genial do Colin. Já fui duas vezes em Fortaleza e lá ganhei os fanzines Manicomics no qual destaco A Mulher Estupenda, de JJ Marreiro, uma ótima homenagem aos quadrinhos da era de ouro, que o JJ imita com perfeição. Histórias assim mais simples e ingênuas talvez seja o que esteja faltando no quadrinho nacional para pegar os leitores que estão saindo da Turma da Mônica.

OA – Por que os quadrinhos de humor e sátira produzidos no Brasil têm um maior respeito por parte de público e crítica? Afinal, para o senso comum, chargistas são “gênios” e quadrinistas são "artistas menores".

GD – Os humoristas trabalham em publicações respeitáveis, como a Folha de São Paulo e Istoé. Isso certamente influencia muito. Além disso, o trabalho deles é considerado jornalístico, e não quadrinístico. E no Brasil os jornalistas são respeitados. Têm até direito a prisão especial. Poucas pessoas lêm jornais, mas respeitam os jornalistas. Tanto que quando algum político não tem profissão nenhuma, apresenta-se como jornalista (lembram do Collor?).

OA – Sua revista Manticore foi uma execelnte iniciativa que mudou um pouco de foco em sua última encarnação. Dá pra falar a respeito? Por que essas mudanças radicais?

GD – Não participei dessa segunda fase da Manticore. Na época da primeira fase nós tínhamos a idéia de transformar a revista numa coletânea de histórias de terror e ficção, algo como a antiga Kripta da qual todos nós éramos fãs. Muito tempo depois do lançamento dos dois primeiros números o editor procurou o Antônio e pediu para lançarem um terceiro número. Creio que fugiu um pouco da proposta, pois ficou um pouco humorístico.

OA – Você acredita que exista um tipo de “richa” entre os produtores de quadrinhos de São Paulo e Rio? Caso sim, por que? Seriam linguagens diferentes?

GD - Não conheço tão bem assim esses dois ambientes, mas em congressos e eventos nunca percebi uma richa. Percebi, claro, uma diferença de estilo que deve ter a ver com a própria cultura local. Os cariocas parecem ser mais divertidos. Os paulistas são mais profissionais, mais sérios.

OA – Para terminar, uma espécie de bate-pronto. Eu cito um nome e você fala a respeito:

a) Maurício de Souza - um cara que conseguiu o que parecia impossível: derrotar Disney. Só lamento que ele não permita que seus artistas assinem suas histórias. Mas acho que ele criou uma linguagem de quadrinhos infantil muito mais moderna que a da Disney, por exemplo. Meus filhos são viciados na Turma da Mônica.

b) Ota - Uma das coisas que lamento foi não tê-lo conhecido melhor. Parece um grande cara e um ótimo editor. A ele devemos a MAD e a ótima fase dos quadrinhos nacionais da Vecchi. Além de que foi graças a eles que conheci os quadrinhos da EC Comics na revista Cripta do Terror, que tenho encadernada na minha estante.

c) Mutarelli - Conheci ele no HQ Mix. Um cara muito simpático e talentoso. Pena que nada dele chegue às bancas ou livraria de Macapá.

d) Moacy Cirne - Foi o coordenador do núcleo de quadrinhos do Intercom. É um cara simpático e simples. Nem parece ser o autor de tantos livros importantes.

e) Ziraldo - Eu era o fã número um dele, até conhecê-lo pessoalmente. Numa entrevista coletiva em Belém ele descobriu que eu gostava de quadrinhos e ficou conversando apenas comigo, só respondia minhas perguntas. Ficou um clima super-chato com meus colegas jornalistas. Nesse dia descobri o quanto ele pode ser arrogante (não comigo, pois parece que ele simpatizou comigo). Já tinha ouvido muitas histórias sobre a arrogância dele. Dizem que quando o Moebius esteve aqui ele disse que era o único quadrinista brasileiro. O Ota estava por perto e desmentiu.. Mas continuo gostando muito do trabalho dele, a incrível simplicidade e expressividade do traço, as grandes sacadas de roteiro... Como diz o Chico Buarque, curta a poesia, não o poeta.

3 comentários:

Luiz Felipe Vasques disse...

Parabéns pela entrevista, e se me desculpe apontar para o óbvio e o ululante: mas ao longo, pareceu-me que um dos problemas graves da questão dos quadrinhos seja exatamente o da distribuição, não?

Octavio Aragão disse...

Não apenas dos quadrinhos, mas de toda a produção. Esperemos que a internet resolva isso a médio prazo.

Luiz Felipe Vasques disse...

Sabe o que é mais engraçado?

Contar com a web como a conhecemos para veicular pode não ser mais o lance. O que está sendo visto agora é a produção direto pros i-pads da vida, como aplicativo, ou seja, como se fosse um programinha, que vc paga por ele. Vc possui, na verdade, uma licença, renovável diga-se de passagem, por aquilo.

Coisas que se aprende indo às palestras do FICI... :)