quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Um lugar no futuro - trecho inédito de Rainha das Estrelas

  Esta semana abro o post com um comentário nostálgico do colega e grande amigo Osmarco Valladão sobre o processo de crianção e desenvolvimento dos personagens de Rainha das Estrelas, com destaque para Raga, que ganha logo abaixo mais uma cena editada do conto publicado na antologia Space Opera 2 (sim, Raga sofreu muito, coitado).

   “Na época (1982), uma de nossas diversões favoritas era fazer caricaturas uns dos outros travestidos de personagens de filmes. Assim, o rosto comprido e impassível de Marcos Braga se tornava nossa versão de Drácula ou do Senhor Spock. Zé Antonio, sempre envolvido com belas damas, se tornava nossa versão de James Kirk ou Rick Deckard. Em algum momento, movidos não sei por quais musas (Antártica ou Brahma), essas caricaturas começaram a pedir por suas próprias identidades e histórias... então foram mais "musas", mais conversas delirantes, mais caricaturas (caricaturas, não, agora eram concept designs) e mais anotações. E a gente se divertindo muito durante todo esse processo. Daí para frente, é como o Octavio Aragão está contando...”

  Construí o coronel ciborgue mesclando boa parte do que o Osmarco falou acima às minhas próprias considerações sobre militares, baseado em minha vivência com meu pai, que também foi coronel e usava uma prótese mecânica. Como seria a vida de um sujeito honrado e patriota como Raga? E sua relação com a mulher? Quais seus afetos e afiliações políticas? Um pouco disso, da história sociopolítica de Ryoh e Veracroce, além de uma vênia a Dostoiévski, seguem logo abaixo.


Raga, num esboço feito recentemente por mim.


    Raga bebericava uma caneca de rum, hábito adquirido em sua estada com os piratas há vinte anos. Envergava um velho e confortável conjunto esportivo cor de pelo de rato que o deixava ainda mais alto e ameaçador que o normal. Apesar da situação de urgência no trabalho, optara por passar ao menos um dia em companhia da mulher e das meninas. Afinal, se não fosse por uma vida agradável, para que lutar tanto? Aguardava duas ligações pelo PorTel, mas enquanto não chegavam aproveitava o silêncio na casa, com as crianças dormindo. A esposa, como sempre antes de uma ação de peso, escondia-se atrás de um livro qualquer, mantendo o volume nas raias do inaudível, e acabara dormindo. Desta vez, enquanto o marido pesquisava a árvore genealógica dos Delenda, Moira lia um romance de um autor anterior à grande diáspora, anterior à Coroa, anterior a Ryoh e a Veracroce. Contava a história de um pobre estudante que decidiu matar a velha e antipática proprietária de seu alojamento, que lhe servia como encarnação de tudo que havia de errado no mundo.

    Dependendo do mundo, Raga concordaria que havia muita coisa a ser consertada ou impedida. O cenário sócio-político de Ryoh, por exemplo, viveu dias melhores, pouco depois do assentamento, quando os colonos tomaram conta do planeta. A ânsia pelo retorno aos dias gloriosos de um passado imperial, junto ao ufanismo que combinava com a chegada ao novo planeta, os fez abandonar as tradições republicanas e abraçar um novo tipo de monarquia. Como resultado, os parcos registros dessa época apontavam que em cinco gerações as coisas pioraram, com corruptos e doentes mentais se alternando no trono, tendo como primeiro ápice a insana Cordélia Delenda, logo a megera que voltava ao controle agora. Mas isso não significaria que homens de visão teriam de se corromper. Sempre havia a possibilidade de empreender planos calculados em busca do progresso e da saúde da Nação, fosse uma monarquia ou a desacreditada república.

    Resgatando o romance do colo adormecido, Raga passou os olhos sobre um trecho. Conhecia o texto e não conseguia se identificar com o protagonista, apesar de compreender seus motivos. Achava que matar a velha usurária poderia ter sido desculpável se fosse um gesto racional, em lugar do resultado de um delírio movido por auto comiseração. Por exemplo, em prol da Coroa, Raga não pensaria duas vezes em praticar atos extremos, até subversivos. Ao observar a família adormecida, recordava os momentos de excesso que testemunhara nos aposentos reais. Os planos relativos à utilização da imagem de Anton Argo, ainda um símbolo de resistência e integridade para muitos habitantes do Eixo Central, visavam originalmente o enriquecimento de Ryoh, mas agora, depois dos últimos fatos, não descartava a possibilidade de alternativas que contrariassem a vontade da Coroa. Até então, mesmo com os desvarios típicos dos Delenda, achava que poderia contornar os problemas e fazer o necessário, porém começava a perceber que sua vontade em prol do bem comum e os desejos reais eram um casamento em crise.

    Na penumbra da sala, com a luz do livro iluminando a face e projetando sombras oblíquas no teto, Ahmed Alexandrovitch Raga ajeitou-se no sofá grande o suficiente para acomodar ao casal, rejeitou a ideia de desconectar o braço cibernético (melhor estar preparado para a ação imediata) e tomou a decisão. Precisava de Anton Argo ao seu lado, e não necessariamente de Cordélia Delenda, fosse lá em que corpo estivesse. Encenaria uma peça, daria a entender que estava levando Argo para a morte e ganharia tempo até reunir forças para o objetivo final, a sobrevivência de Ryoh perante as novas potências em ascensão, como Shan-Pah e Belo. No futuro não haveria lugar para alguém como Cordélia Delenda.

    Apaziguado com sua consciência, voltou ao romance:

    –  Boa noite, Alíona Ivanovna – leu – Trago-lhe um penhor. Mas entremos... vamos para a luz.

Um comentário:

Leonardo Peixoto disse...

Na minha infância , tinha uma série animada que eu gostava muito chamada Megas XLR . O desenho tinha robôs gigantes , viagens espaciais , referências a cultura pop e a dublagem brasileira era fenomenal . Ela está completa aqui , https://www.youtube.com/channel/UCkEVC426iFcxNynBIrWEVGA/videos .