domingo, 30 de julho de 2017

Quais são os cinco erros mais comuns que os escritores do mainstream cometem ao escrever ficção científica?

O escritor Luiz Brás me perguntou quais os enganos que eu mais percebo quando escritores experientes em outras áreas se aventuram a escrever ficção científica. Volta e meia isso acontece, seja por um modismo ou apenas para aproveitar uma oportunidade editorial, e os escritores pouco acostumados com os truques do gênero costumam escorregar em algumas curvas fechadas.
A cinco seriam…
1. Reinventar a roda por falta de pesquisa
Acontece quando o autor não leu o suficiente dentro do subgênero ou não se aprofundou nos elementos tecnológicos e científicos, e decide que sua intuição a respeito de como se realizaria a viagem no tempo, a antigravidade, a viagem espacial ou a invisibilidade é genial e originalíssima. O resultado geralmente é um déjà-vu.
2. Usar o cinema como referência principal
Como os romances mais recentes demoram para chegar ao Brasil, o principal contato com a FC vem por intermédio do cinema, que, no que diz respeito a temas e tecnologias, já está umas boas duas décadas defasado em relação à literatura. Mais uma vez, as referências visuais e terminológicas advindas dessa mídia audiovisual acabam por tornar a narrativa superficial e falsamente autoexplicativa, como a tendência em se considerar termos como “torpedos fotônicos” (“Star Trek”) ou “replicante” (“Blade Runner”, o filme) como senso comum dentro do léxico literário. Às vezes isso implica em erros grosseiros, como podemos ver em autores que confundem os termos “androide” e “robô”, ou que acreditam que “parsec” poderia ser aplicado como unidade de velocidade e não de distância.
3. Enrolar na explicação técnica com technobabble ou esoterismo
Não é porque você não sabe como um processo científico se realiza que seu personagem cientista também não precisa saber. Ele precisa, mas às vezes parece mais fácil apelar para saídas “mágicas” disfarçadas por um linguajar pseudocientífico (a famosa technobabble). Como resultado, temos um híbrido, algo parecido com a tentativa de mesclar esoterismo à FC, coisa muito comum principalmente nas telenovelas que se arriscam por essas veredas, que descaracteriza o principal fator de construção da obra de FC: a lógica interna.
4. Apelar para metáforas para fugir das descrições científicas
Uma consequência provável do item 3. Ocorre quando, sem saber como explicar uma maravilha científica ou suas consequências e sem querer apelar para o esoterismo, o autor lança mão de metáforas que não apenas não explicam nada, como confundem o leitor. A FC pode ser metafórica – até diria que deve ser – em seu teor mais amplo, nos temas, por exemplo, mas não nas definições de causas e consequências.
5. “As you know, Bob”
Erro comum até em quem professa a FC de maneira regular. Artifício que aproveita um diálogo aparentemente despretensioso para situar o leitor dentro de um cenário fora do normal. Foi popularizado pela frase em inglês “As you know, Bob”, e pode ser identificado em quaisquer descrições que comecem, incluam ou finalizem com sentenças semelhantes, como, por exemplo: “Todo mundo sabe disso! As viagens espaciais ficaram comuns depois de 2135, lembra?”, “Já cansei de avisar que a estação lunar está desabitada há décadas” ou “Esqueceu que a humanidade foi reduzida a um terço depois de 2035?”. É sempre melhor mostrar do que contar.

2 comentários:

Leonardo Peixoto disse...

Vou usar esse texto como referência caso eu comece a escrever histórias desse gênero literário .

Octavio Aragão disse...

Uma honra, Leonardo. Muito obrigado.