quarta-feira, 19 de junho de 2019

Sobre cores, critérios e consequências

Cidade: Vitória.
Ano: 2007.

Eu era professor de Projeto de Design na UFES desde o ano anterior e achei que seria uma boa ideia dar aos alunos uma visão mais próxima da realidade de um mercado de trabalho. Como era novo na cidade, aproveitava meus passeios pelo Centro para anotar nomes e contatos de empresas cujas fachadas apresentassem identidades visuais que eu considerasse dignas de um redesign.

Uma vez em sala, separava a turma em grupos e mandava cada equipe contactar os possíveis clientes,oferecendo uma assessoria de identidade visual, com redesign de branding. Seria um projeto acadêmico, logo, sem ônus real para o cliente, a não ser que, de acordo com um contrato que estipulava os serviços prestados, o cliente desejasse aplicar o projeto em seu estabelecimento.aí, a coisa mudaria de figura e se tornaria algo mais sério, de acordo com as minutas de contrato exemplificadas no manual da ADG.

Deu para entender? O cliente só coçaria o bolso caso decidisse implementar o projeto, no mais, seria algo puramente acadêmico. Porém, havia uma cláusula pétrea: os créditos de produção e criação seriam -- sempre -- devidos aos alunos de cada equipe, mesmo em caso de não implementação. Durante dois anos fiz o mesmo tipo de projeto, com resultados sempre satisfatórios, tanto para mim, enquanto professor, quanto para a turma e, na vasta maioria dos casos, para os clientes, mas nunca, nenhum, jamais foi levado adiante. Ao menos não diretamente.

Vou contar um caso específico: um dia, próximo à rodoviária, dei com uma loja de artigos de pesca, cuja identidade visual era a que se vê abaixo.


Os motivos pelos quais escolhi esse logotipo como candidato para redesign foram 1) o símbolo super detalhado, que poderia causar problemas quando reduzido e aplicado em produtos diversos e 2) a fonte desnecessariamente distorcida. Uma vez em sala de aula, um grupo escolheu cuidar desse projeto. Lá foram os meninos e meninas atrás do "cliente" e, tudo acertado, o contrato assinado, começamos o projeto. Depois de um período, o resultado foi o que se pode inferir a partir dessa prancha de construção do logotipo (que foi a que me restou depois de tanto tempo).


Como podemos perceber, as mudanças foram amplas, tanto em rediagramação, quanto em simplificação. A ideia era fazer com que o símbolo fosse tanto um peixe, quanto uma representação do sol, sobre a linha do oceano, representado pelo nome em si, em uma única linha horizontal. 

Preparamos a apresentação para o cliente e lá foram eles e elas, outra vez, para a visita definitiva. O resultado? Um sonoro "não, obrigado". E os motivos foram, basicamente, a mudança cromática. O cliente não acreditava que seus clientes não gostassem da cor escolhida para o símbolo. Obviamente, a equipe não deu o braço a torcer, apresentando os motivos da escolha e argumentando que, caso fosse absolutamente necessário, poderiam estudar outra palheta cromática. A resposta foi outro "não", dessa vez, definitivo. O redesign da marca não seria aplicado, obrigado por sua proposta, foi um prazer conhecê-los, adeus.

Levei esse caso para a vida e, ainda agora, o utilizo como bom exemplo de construção de  identidade visual em minha aulas na UFRJ, como aconteceu, por exemplo, hoje. Mas, dessa vez, houve uma diferença. Meus alunos atuais pediram para que eu pesquisasse a marca, para que vissem as diferenças entre as duas versões com mais clareza e, qual não foi minha surpresa ao dar com a imagem abaixo, na página da empresa.
Sim, isso mesmo. Esse é o logo atual. Houve um redesign, afinal de contas, e a cor -- que tanto incomodava -- ficou de fora, assim como a participação dos designers que criaram a rediagramação (e a proposta como um todo).  Nem vou comentar o acréscimo do fio de contorno ou a letra "C" alterada sem motivo aparente, mas focar no fato que, talvez, o problema do design no Brasil seja uma questão cultural. Parece óbvio que se reconhece o valor de um redesign, mas não os designers propriamente ditos. Por que se recusar a ceder até mesmo o crédito a quem é devido? Por que refazer a identidade visual seguindo critérios preestabelecidos sem chamar -- até por uma questão de agradecimento -- os responsáveis pelo primeiro redesign? 

Essas são questões que precisamos resolver e identificar urgentemente, caso queiramos sedimentar a credibilidade de nossos profissionais de criação.



2 comentários:

Unknown disse...

Octavio, apesar da resistência dos diretores em abraçar o primeiro projeto de redesign dos seus alunos, fica claro neste logotipo que o projeto levou os diretores a refletirem, e no posteriormente, num momento de maior amadurecimento, procurassem profissionais para efetuar a necessária mudança de design de logotipo, que ao meu ver, na sua essência, segue a mesma linha do logotipo anterior. Outro fato que ficou claro pra mim, é que não adianta um grid muito sofisticado se o design final não agradar os olhos. O grid não é mais importante que a forma. A nova marca é superior à que os alunos fizeram, com excessão da borda com contorno azul que enfraqueceu a marca, pela sua organicidade e paleta de cores, mais conectadas com as cores do marca e do próprio Marlin.

Unknown disse...

Renon, postei o grid aqui porque é a única imagem que me restou desse projeto. Afinal, já se passou mais de uma década. Até ontem, não sabia que os “clientes” haviam mudado a identidade visual e foi um susto perceber que claramente seguiram as indicações do projeto acadêmico de minha turma. Se o resultado posterior ficou melhor que o proposto, não fizeram mais que a obrigação (afinal, foi produzido, suponho, por profissionais, não estudantes), mas meu ponto é que poderiam ter ao menos contactado os meninos e meninas para um posterior aconselhamento.
A palavra-chave aqui é “respeito”.
Quanto à maior qualidade do logo posterior, fico aqui me perguntando o porquê do "C" deformado e na dúvida se o "R" tem mesmo aquela alteração na haste inferior.