sábado, 10 de setembro de 2011

O futuro não é mais como era antigamente


Octavio Aragãopor Octavio Aragão (publicado originalmente no jornal Achei USA)


(...) é através dos assim chamados filmes de nostalgia que o processamento propriamente alegórico do passado tornou-se possível; é porque o aparato formal dos filmes de nostalgia nos treinou a consumir o passado em termos de imagens sofisticadas que essas novas formas e colocações mais complexas da ‘pós-nostalgia’ se tornaram possíveis.
Fredric Jameson

É necessário considerar o que deve acontecer como já sucedido, é necessário ver o presente no futuro, porque este nada mais é do que um presente remoto.
Júlio Verne

O passado, apesar de toda a alergia que causa aos menores de trinta anos, está na moda. Mas não se trata de um passado qualquer, conhecido e confortável. Estamos falando aqui de um pretérito mais que perfeito, um tempo tão improvável e imprevisível quanto o mais longínquo futuro. Um século 19 que nunca existiu, mas que teria sido fantástico.

Quando assistimos a um filme que emula um passado fantasioso é como se descobríssemos uma nova possibilidade de futuro, pois o que veio antes torna-se tão atraente quanto o que nos aguarda na próxima esquina. Quem sabe o fato de estarmos no começo da segunda década de um século insondável nos faça olhar para trás em busca de parâmetros comportamentais confiáveis que pautem os anos vindouros usando um mix de iPod (ou iPad, de acordo com o gosto do freguês) com óculos de piloto de biplano.

Talvez isso seja um efeito colateral de um certo achatamento da perspectiva da história recente, que faz com que os últimos cinquenta anos estejam disponíveis a qualquer pessoa, a qualquer hora, sim, mas sem uma identidade própria, sem uma característica que defina cada década, transformando tudo em uma “pasta imagética” onde Frank Sinatra poderia ter sido contemporâneo de Kurt Cobain, consumida por uma geração que acredita que a Segunda Guerra Mundial ainda acontecia em 1978, como um adolescente me perguntou outro dia.

Correndo o risco de parecer um nostágico mais velho do que gostaria, reconheço que sinto certa saudade do tempo em que as poucas emissoras de TV do Brasil não tinham vergonha de exibir filmes de Frank Capra, Vittorio de Sica ou Otto Preminger, tanto à tarde quanto na madrugada. Hoje, apesar do paraíso informacional, a compartimentação da programação nos obriga a assistir a um canal a cabo especializado no que se acostumou a chamar de “cult”, algo parecido com uma lata na qual se joga qualquer coisa que difira do padrão não muito claro das etiquetas, como única opção e mesmo assim corre-se o risco de ver muito material que não merece ser “cultuado” nem pelo mais simplório fã de novelas mexicanas (afinal, num certo sentido, elas também são cult, não é mesmo?).

Ou seja, não basta saber pesquisar no Google, tem de saber como pesquisar. Igual a todo e qualquer oráculo da antiguidade, de Delfos ao I-Ching, essa hoje indispensável universopédia exige que se pense antes de perguntar e, para isso, é preciso cultura, sob o risco de se obter respostas mais enigmáticas que a questão original. Se o consulente não souber a diferença entre laranjas e bananas, como poderá entender uma resposta que envolva frutas cítricas? Ou ainda, é necessário que se compreenda o que se pode perguntar, como aconteceu, por exemplo, com um aluno que, diante do meu pedido para que produzisse um esboço com lápis e papel, recorreu à internet para saber “como se poderia fazer um sketch”. Isso, infelizmente, não há pitonisa ou mago Merlin que responda, ou o sujeito faz ou não faz.

Enquanto isso, quem sabe fazer, aquele pessoal que conhece as raízes culturais dos produtos de cultura de massa, está arrecadando milhões com remakes e continuações de filmes de trinta anos atrás ou escrevendo roteiros que evocam cenários de séculos passados, mas com entusiasmo juvenil. O estilo nascido da paixão pelo imaginário da InglaterraVitoriana, por exemplo, tem nome. Chama-se steampunk, que significa a junção do “vapor” de locomotivas ou de outras tecnologias retrô envolvendo eletricidade e magnetismo com o espírito anarquista dos punks contemporâneos, como visto no filme O Grande Truque (The Prestige, 2006). Já aqueles que preferem um clima do início do século 20, adotam a alcunha dieselpunk e adoram máquinas e roupas que remetem ao estilo Art Déco, de acordo com o que se pode ver no filme Capitão Sky e O Mundo do Amanhã (Captain Sky and The World of Tomorrow, 2004). Ésempre bom recordar que tudo isso nasceu das cabeças de autores como Bruce Sterling e William Gibson, acostumados a antecipar o futuro em vivemos hoje escrevendo romances que receberam a alcunha de cyberpunk.





E por aí vai o trem, cultivando e construindo uma nova memória afetiva para jovens que têm saudades do que não viveram e que, de uma certa maneira, buscam unir o melhor de todos os mundos possíveis, mas sem abrir mão de um saudável viés anarquista. Eu só gostaria que todo esse revisionismo fosse temperado, como acontece nas versões literárias, com influências dos trabalhos de Charles DIckens ou Machado de Assis, porque o que é bom, mas bom de verdade, perdura.

4 comentários:

Temáticas Jurídicas disse...

Prezado Mestre e amigo Octavio,

Meus cumprimentos pelo artigo "O futuro não é mais como era antigamente"!

Precisamos de mais textos assim, com reflexões diferenciadas, para além do lugar-comum.

Um abraço fraterno,

H.

Octavio Aragão disse...

Valeu, Hidembeg. Bom revê-lo.

JAMES disse...

Parabéns pelo lindo trabalho.... SUCESSO!

José James

Octavio Aragão disse...

Obrigado, James. Volte sempre.